A propósito do fantástico concerto que Sei Miguel, Manuel Mota, Fala Mariam e César Burago deram no passado dia 2 de Julho no festival
Sonicscope de Lisboa, apresentamos a tradução da crítica feita por Dan Warburton na
Wire de Junho de 2005 ao último CD de Manuel Mota, Intitulado Quartets, no qual participam os mesmos músicos e ainda Margarida Garcia, crítica essa que volta a colocar em evidência a excelência dos últimos trabalhos de alguns dos músicos da cena da improvisação livre portuguesa.
Manuel Mota
Quartets
Headlights CD
Por Dan Warburton (Wire 256, Junho 2005)
Comparado com alguns dos seus colegas músicos na surpreendentemente fértil cena portuguesa de improvisação livre, o guitarrista Manuel Mota não pode ser definido como um músico prolífico. No entanto, cada um dos seus trabalhos já publicados, desde o conjunto de duos com Margarida Garcia intrigantemente intitulado Why Don't you Paint Yourself Real Good Like an Indian, é uma autêntica pérola.
Garcia reaparece de novo neste trabalho tocando baixo eléctrico, sendo os restantes membros do quarteto de Mota, Fala Mariam no trombone alto e César Burago em carrilhão (próximo de um glockenspiel de brinquedo e não um sino de catedral).
Os quatro músicos tocam com o enigmático trompetista e compositor Sei Miguel, o mais bem guardado segredo da Nova Música Portuguesa, sendo que Miguel é aqui creditado como produtor e responsável pelos arranjos. Os seus arranjos consistem na "escolha de timbres (desde instrumentos, dispositivos, dinâmicas, equalização-amplificação) e silêncios (possibilidades métricas não necessariamente escritas) e na selecção de motivos / segmentos passíveis de operar de forma livre durante a performance com o objectivo de clarificar a mente dos músicos e possibilitar uma unidade abstracta em todas as peças. Os arranjos são mais importantes do que a composição", refere Miguel, "porque lidam com os timbres disponíveis e com a individualidade rítmica, por outras palavras, a acção verdadeira, o objecto sonoro futuro".
Faixas como "Shield" e "Flame Steet" remetem para o fluxo contínuo e o lirismo fraccionado das obras de Sei Miguel, Still Alive in Bairro Alto e Showtime, com a sua oblíqua e significativa dedicatória " para Chet e Cage".
O Chet de Miguel provavelmente está ausente deste trabalho, mas está presente um toque da Escola de Nova Iorque na plasticidade dos arranjos (Wolff) e na instrumentação (Feldman). Dito isto, a combinação do dedilhar de Mota, fluído, espacial e sensível em termos de frequências (a admiração de Derek Bailey pelo trabalho do guitarrista é fácil de entender), o trabalho de baixo de Garcia, discreto mas com uma técnica extensa e apurada, o trombone mudo e introspectivo de Mariam e os infinitesimais sons metálicos de Burago - duas notas são muitas vezes suficientes, três quase que são excessivas, tudo soa como nada semelhante na música actual, improvisada ou não.
Com a excepção de "Good Eve", onde são utilizadas reverbações cavernosas com um efeito assombrador, a gravação é próxima e seca, microscópica e perscutadora, em vez de profunda e íntima mas, apesar disso, esta música oblíqua e estranha constantemente atrai o ouvinte para descobrir os seus delicados segredos.
